Pode-se dizer que, de tempos em tempos, a sociedade se modifica, gerando reflexões, posicionamentos e necessidades que, antes, sequer poderiam ser imaginados. Esse processo natural e cumulativo exige, além da busca por novos materiais e tecnologias, o surgimento de novos profissionais, forjados no calor das demandas urgentes. Com isso, as definições de perfil, atribuições, direitos e deveres, bem como a constituição de uma classe profissional, costumam acontecer muito tempo depois do trabalho iniciado. Esse é o caso do gestor cultural que, mesmo atuando há algumas décadas, só agora passa a ter seu escopo de trabalho discutido e sua existência valorizada.
No Brasil, especificamente, a questão é ainda mais complexa, uma vez que cultura e educação são, historicamente, áreas tratadas de forma dissociada. “O Alcione Aráujo [dramaturgo que escreveu Há Vagas para Moças de Fino Trato] diz que este distanciamento acontece quando deixamos de ter uma formação educacional mais humanista e adotamos uma visão mais técnica. O que eu acredito que aconteça, justamente, quando passamos de uma influência europeia, com destaque para Portugal e França, para o modelo americano, por volta dos anos 1940, que trazia uma visão de carreira muito mais preocupada com o futuro do que com o processo de aquisição do conhecimento”, afirma Maria Helena Cunha, diretora da DUO Informação e Cultura e autora do livro Gestão Cultural: profissional em formação.
Por outro lado, se formos refazer o percurso das políticas culturais no país, partindo dos anos 1930, com Mário de Andrade à frente do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, até os dias atuais, veremos que o investimento em formação e qualificação dos profissionais da cultura é, senão inexistente, pulverizado.
Mas a reflexão tardia sobre o tema não é uma experiência restrita ao Brasil. Em Portugal e na Espanha, a preocupação com as políticas e com a gestão cultural só eclodiu depois do período de ditadura, na decáda de 80 do século 20, quando os dois países foram incorporados à União Europeia. Como resposta aos tempos de repressão, surgiu um protagonismo cultural, reivindicatório de mudanças e sedento pelo processo de reconstrução democrática. O especialista em gestão e política cultural da Universidade de Girona, na Espanha, Alfons Martinell, costuma dizer em seus artigos e palestras que estes fatores abriram novas perspectivas para a realidade cultural espanhola, “com um crescimento constante da instituição pública (principalmente local e regional), que exigiu uma enorme incorporação de capital humano e um consequente processo de profissionalização”.
Em terras brasileiras, o despontar dos profissionais da cultura só se concretizaria com o advento das leis de incentivo, quando o mercado passa a demandar um profissional capaz de elaborar, promover e executar projetos, o produtor cultural, que acaba abarcando diversas funções, mesmo sem formação específica. O que seria resolvido nos anos 1990, com a criação de dois cursos de produção cultural, um na Universidade Federal Fluminense – UFF, e o outro na Universidade Federal da Bahia – UFBA. “Todo o movimento de profissionalização e de formação superior na área da cultura é muito recente. O curso de graduação em Produção Cultural da UFF, no Rio de Janeiro, foi pioneiro quando de sua criação em 1995. De lá para cá, outras iniciativas tiveram vez, em distintos formatos – graduação plena, habilitação de graduação, graduação tecnológica (2 anos), cursos de pós-graduação (lato e stricto sensu), cursos de extensão universitária e cursos livres”, conta o coordenador do Laboratório de Ações Culturais da UFF, Luiz Augusto Rodrigues.
Em contraponto, o debate sobre a necessidade de investimento na capacitação de profissionais específicos para a criação de políticas públicas e gestão de projetos e instituições só começa a ganhar espaço agora. Para Maria Helena Cunha, a movimentação em torno do tema está associada ao mercado e à questão do próprio reconhecimento da profissão. “Essa é uma questão mundial já que o campo da cultura passou a se relacionar com outras áreas como a economia e a política. Com isso, existe uma busca do mercado por profissionais mais qualificados. Mas é preciso dizer que também há uma preocupação do setor público, nos níveis federal, estadual e municipal, com esse profissional. O Ministério da Cultura, por exemplo, tem como um de seus pilares um programa de formação para a área”, explica.
Mas a oferta de cursos e de bibliografias sobre o tema ainda é incipiente. “No Brasil, planejamento e gestão cultural, enquanto políticas com continuidade, é algo muito recente, ainda em expansão e consolidação”, lembra Rodrigues.
O gestor cultural
Ainda que não exista uma cartilha sobre o perfil e os desafios do gestor cultural, o blog Acesso levantou, em pesquisas e com seus entrevistados, alguns traços que podem ser úteis e elucidativos para o debate a respeito deste profissional e de seu papel.
O gestor cultural seria alguém que…
• Busca uma formação interdisciplinar, com conhecimentos de arte, cultura, planejamento, administração, marketing, economia e jurisprudência.
• Está atento às novas tendências
• Transita e faz a vez de intermediador entre o poder público, a iniciativa privada, o terceiro setor e a comunidade
• Assume características técnicas, estratégicas e operacionais
• Consegue lidar com a tensão inerente a seu ofício
• Sabe trabalhar em equipe
• Conhece a área cultural e suas nomenclaturas
• Está apto a manejar imprevistos
• Busca conhecer as necessidades do público
• Sabe planejar e tem sensibilidade estética
• Procura combater seus próprios preconceitos
Veja também as dicas de cursos e livros sobre gestão cultural:
O que ler:
Economia criativa
Organizador: Ana Carla Fonseca Reis
Editora Itaú Cultural
Economia da cultura – Ideias e Vivências
Organizadoras: Ana Carla Fonseca Reis e Kátia de Marco
Editora E-livre
Gestão cultural: profissional em formação
Autor: Maria Helena Cunha
Duo Editorial
Gestão cultural: significados e dilemas na contemporaneidade.
Organizador: Cláudia Leitão
Banco do Nordeste do Brasil
Gestão do patrimônio cultural integrado
Organizador: Silvio Mendes Zancheti
Editora CECI
O avesso da cena
Autor: Romulo Avelar
Duo Editorial
Organização e produção da cultura
Organizador: Linda Rubim
Edufba
Políticas culturais: reflexões e ações
Organizador: Lia Calabre
Editora Itaú Cultural
Teoria e prática da gestão cultural
Francisco Humberto Cunha Filho
Unifor
Onde estudar:
Associação Brasileira de Gestão Cultural
Centro Universitário Una
DUO
Fundação Clóvis Salgado
Fundação Getúlio Vargas
PUC-Minas
Senac
Unisinos
Universidade Cândido Mendes
Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal Fluminense
USP
http://www.blogacesso.com.br/?p=2138
Nenhum comentário:
Postar um comentário